Balanço e conclusões da Conferência

A conferência que organizámos em Lisboa no passado dia 5 de Abril, pela qualidade dos contributos especializados que reuniu, pelo debate realizado e pela elevada e interessada participação verificada, cumpriu o seu objectivo de contribuir para uma mobilização mais activa, unida e informada do mundo do trabalho em defesa da Segurança Social pública e dos sistemas públicos de pensões. A comissão promotora da conferência, reunida  em 16 de Abril para fazer o seu balanço, destaca como ideias e conclusões que importa desde já reter:

1. A sustentabilidade do sistema de segurança social, em especial do seu regime previdencial e dos sistemas públicos de pensões, está a ser no imediato ameaçada principalmente pela política de austeridade aplicada pelo Governo com o apoio da troika, que é centrada na desvalorização salarial e do trabalho, geradora de desemprego e de recessão económica, de mais desigualdade e mais pobreza e, por essa via, exercendo uma forte pressão negativa sobre as receitas e as despesas da Segurança Social. Desde 2011, o subsistema previdencial perdeu mais de 3 mil milhões de euros em contribuições e prestações de desemprego.

O financiamento do sistema é afectado pelas escolhas políticas do Governo, que prossegue o objectivo inconfessado de desmantelar o Estado Social e a Segurança Social alicerçada nos princípios da universalidade e da solidariedade laboral e intergeracional, utilizando como pretexto a sua sustentabilidade que ele próprio abala com as suas políticas e com a sua submissão aos interesses dos credores e do sistema financeiro.

A questão demográfica, merecendo consideração na avaliação da sustentabilidade do sistema no médio e longo prazo, não pode servir de justificação para a política de cortes em curso no sistema de pensões. Nas comparações internacionais, o sistema português de segurança social é considerado como um dos sistemas europeus com melhores condições de sustentabilidade no médio e longo prazo.

2. O modelo de repartição em que assentam os sistemas públicos de pensões (regime previdencial da Segurança Social e Caixa Geral de Aposentações) deve ser protegido e mantido como seu fundamento essencial e reúne condições e virtualidades para assegurar a sua sustentabilidade futura. É um modelo assente no financiamento pelas contribuições sobre os rendimentos do trabalho, no direito à pensão como um direito social e não como um direito de propriedade e num contrato social assente na solidariedade intergeracional garantida pelo Estado, para assegurar o cumprimento da promessa de pagamento futuro de prestações, e na solidariedade laboral, pois a receita das contribuições sociais (TSU) é redistribuída para financiar as pensões de reforma, os subsídios de desemprego, de doença, parentalidade e outras prestações sociais.

É de rejeitar a aplicação em Portugal do propagandeado modelo sueco de “capitalização virtual” que, embora sendo de facto um sistema de repartição, substitui o regime de prestações definidas  por um regime de contribuições definidas, cria uma ilusão de propriedade onde há um direito social, não é redistributivo e instala o princípio da incerteza quanto ao valor das pensões a receber, que podem aumentar ou diminuir. Este modelo, aplicado na Suécia no final dos anos 90, mesmo assim só após vários anos de estudos, debates e negociação social, correspondeu aliás a um forte abalo e regressão neoliberal no sistema de protecção social daquele país e não é também imune aos condicionamentos económicos e demográficos que afectam todos os sistemas públicos de pensões.

É igualmente de rejeitar o plafonamento das pensões, seja entendido no sentido de estabelecer um tecto máximo nas remunerações sujeitas a tributação, seja fixando uma proporção da taxa contributiva destinada a sistemas de capitalização, e em qualquer dos casos tendo como objectivo transferir uma parte do salário dos trabalhadores para fundos de capitalização geridos pelos mercados financeiros. O plafonamento reduziria também de imediato as receitas resultantes das contribuições dos trabalhadores, agravando fortemente os problemas do financiamento do sistema.

3. A política de cortes nas pensões levada a cabo pelo Governo com a bênção da troika, e o seu confessado projecto de converter em permanentes os cortes até agora apresentados como excepcionais em nome do combate à crise, ao défice e à dívida, é injusta e iníqua e abala fortemente o princípio da confiança em que se fundamenta o contrato social consagrado na Constituição, o Estado Social e os sistemas públicos de pensões. Instala a incerteza e a desconfiança na Segurança Social, corrói a solidariedade e a coesão sociais, promove o individualismo como lógica de sobrevivência, abre caminho à captura pelos mercados financeiros de toda a nossa vida colectiva.

As pensões não são um fardo social indesejável, são um factor de coesão social e de dinamismo económico, indutor de crescimento, de redistribuição de rendimentos e de combate à pobreza, de desenvolvimento do mercado interno e do emprego.

Pôr termo à política de austeridade, construir alternativas de governação que ponham em primeiro lugar os interesses do país e dos portugueses e não dos credores, são uma condição da sustentabilidade futura da Segurança Social, dos sistemas públicos  de pensões e do Estado Social em Portugal.

A gravidade das ameaças que pesam sobre os sistemas públicos de pensões e a Segurança Social, encaradas pelo Governo como variáveis de ajustamento, tal como os salários, a sacrificar no altar da austeridade e dos mercados, exige a construção de uma larga unidade na acção, de uma séria convergência de todos, centrais sindicais, o conjunto do movimento sindical, movimentos e organizações de reformados e precários, técnicos e investigadores, cidadãos interessados na defesa da Segurança Social pública como parte integrante da democracia e do nosso futuro colectivo.

4. A sustentabilidade, a adaptação e a evolução do sistema de segurança social e dos sistemas públicos de pensões, são uma matéria que não pode ser objecto de medidas avulsas ditadas pela pressa de quem quer usar a pressão dos credores, do défice e da dívida para tornar os direitos sociais reféns dos mercados financeiros e da economia por estes comandada.

A Segurança Social pública é uma conquista da democracia alcançada há 40 anos com o 25 de Abril, cuja primeira Lei de Bases (Lei 37/84) celebra também este ano o trigésimo aniversário da sua aprovação e promulgação. Resulta do esforço de gerações durante décadas.

Reformas do sistema devem ser objecto de estudos e análises de impacto cuidadosos e fundamentados, disponíveis de modo transparente para toda a sociedade, objecto de diálogo social intenso e participado, com o movimento social, com outras organizações sociais e com os partidos, de modo a gerar compromissos sólidos e duradouros. Tais reformas não podem ser comandadas pelas exigências dos credores externos, nem pelos imperativos orçamentais de cada ano, nem por razões instrumentais de curto prazo. Envolvem escolhas políticas que influenciam a vida de milhões de pessoas e afectam gerações. São inseparáveis do debate e das escolhas colectivas sobre a sociedade em que queremos viver, inteiramente comandadas pelos mercados ou preservando direitos sociais garantidos pelo Estado, pela Constituição e por um contrato social a todos comprometendo, no presente e no futuro.

Por tudo isto, as organizações sindicais promotoras da Conferência de 5 de Abril denunciam a pretensão anunciada pelo Governo de promover uma reforma da Segurança Social à pressa, sob a chantagem dos credores e da troika, construída sobre a terra queimada da decisão unilateral de cortes nas pensões e da imposição sem negociação do aumento da idade de reforma para 66 anos.

Medidas que afectem a estrutura do sistema de segurança social e dos sistemas públicos de pensões devem ser alicerçadas num diálogo social e político transparente, fundamentado e necessariamente demorado, valorizando a Concertação Social, o parlamento e a informação dos cidadãos. Para que as escolhas sejam informadas e para que os compromissos políticos e sociais em que assenta sejam sólidos e duradouros e não subordinados às oscilações de ciclos políticos e eleitorais.

5. Os trabalhadores e o movimento sindical estão, em Portugal como no conjunto dos países mais desenvolvidos onde foi edificado o Estado Social, profundamente associados à construção dos sistemas de Segurança Social. A robustez, a solidez e o apoio social a estes sistemas tem-se revelado maior onde essa relação essencial entre o Trabalho e a Segurança Social se mantém mais forte e participada.

A Constituição portuguesa estabelece no seu artigo 63º, não apenas o princípio da universalidade da Segurança Social (“todos têm direito à Segurança Social”) como afirma que “Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários.”

De facto, a participação do movimento sindical no sistema de Segurança Social tem sido fundamentalmente remetida para órgãos de carácter consultivo e de funcionamento desvalorizado. E pesem embora algumas iniciativas e estudos qualificados originários do movimento sindical, é um facto que a Segurança Social não tem tido a centralidade indispensáveis no quotidiano da acção, do estudo e da informação dos sindicatos.

Importa, pois, que a intervenção do movimento sindical na Segurança Social reforce a fidelidade à sua matriz histórica e que seja equacionada a exigência de uma intervenção maior e mais responsável dos sindicatos na sua gestão, sobretudo do regime previdencial, assente na tributação dos rendimentos do trabalho.

A eficácia da defesa da Segurança Social pública hoje ameaçada pela política de austeridade exige também  uma maior e mais informada e empenhada mobilização do conjunto do movimento sindical e dos trabalhadores, uma efectiva unidade de acção das centrais sindicais, a convergência com as organizações de reformados, do precariado e com todos quantos acreditam que a Segurança Social pública é parte do presente e do futuro da nossa democracia.

6. A comissão promotora prosseguirá a reflexão e o estudo sobre estes temas e a divulgação das conclusões da Conferência de 5 de Abril, contribuindo para a mobilização do conjunto da sociedade e para a unidade de acção dos trabalhadores na defesa da Segurança Social pública.

Lisboa, 16 de Abril de 2014.
A Comissão Promotora da Conferência

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